domingo, 15 de fevereiro de 2015

Excerto de "Ventre", Capítulo XII

Os gémeos esperavam sentados à mesa olhando para a mãe que, com um pijama branco de colarinho vermelho já coçado, tirava o pacote de leite do frigorífico. “Só abri ontem e já tem um cheiro esquisito”, ouviram-na dizer, depois de sentiro aroma do Mimosa meio gordo.
- Emprestaste algum album meu a alguém? – perguntou o pai, de calças de pijama azuis e de tronco nu, exibindo um tronco onde uma barriga pedia permissão para continuar mas que não conseguia, ainda, rematar um aspecto naturalmente saudável.
- Não, porquê?
- Estava a realfabetizar a minha colecção e não sei do Little Girl Blues.
- Da Nina Simone?
- Sim, não sei dele. E é muito importante. É uma primeira edição! Já te disse que não emprestes nada a ninguém, caramba! Eles que vão à net e saquem, porra!
- Olha os miúdos! E já te disse que não emprestei nada a ninguém! – respondeu Adriana, subindo a irritação.
- Não, foram os miúdos que os levaram para tocar na pré. Nina Simone é muito popular nessas idades!
- Tu estás parvo ou quê? Tu achas que algum dos meus amigos ia querer um vynil?! Quem é que ouve essas mer * essas coisas hoje em dia?! Tens razão, os meus amigos vão à net sim senhor, porque vivem neste século, não se querem armar em intelectuaizinhos da treta!
- Ah, podes crer que eles não conseguiam armar em intelectuais nem que lessem os Tolstois todos. Ai desculpa, não deves saber quem foi Tolstoi. Afinal de contas ele já não é vivo.
- Vai à merda, Justino! Deixa-me, por favor, dar o pequeno-almoço aos teus filhos!
- Desculpa, não te queria retirar dessa tarefa tão árdua e difícil! – respondeu, a voz a trovejar, e saiu. Telmo e Gustavo olharam entre eles, confusos sem perceber o que se estava a passar, amedrontados mas, sobretudo, focados na mãe, o olhar inquisitivo apontado ao pacote de leite.
- São sinónimos! – gritou Adriana, que gostava de ter a última palavra, nem que ela não fosse importante ou, até, escutada.
Justino passou a manhã a realfabetizar os a sua colecção de quatrocentos e vinte e nove vynil, de vez em quando ouvindo uma faixa de Duke, outra de Dizzie, outra de Charlie. Tocava “A Night in Tunisia”, de Dizzie Gillespie, e Adriana estava sentada na mesa branca da cozinha a ler uma revista qualquer. Levantou os olhos e olhou para Justino. O seu marido estava sentado no chão, encostado ao sofá com as pernas assentes na mesa à sua frente. Do lado de cá alguns álbuns, do outro a grande janela de onde se podia ver um pouco do Porto onde se conheceram. Justino ouvia a música de olhos fechados e Adriana olhava bem para ele, bem para ele. Onde andava aquela pessoa?
Meses antes, depois de uma discussão que começara com um comentário de Adriana sobre a Palestina e que acabara aos berros com duas jarras e uma estatueta partida, Adriana fechou-se no quarto a chorar. Permaneceu aí duas horas. Acalmou-se, fez a mala, abriu a porta do quarto. Assomou à sala, prestes a anunciar a sua despedida, mas encontrou Justino a ouvir música, certamente jazz, com os auscultadores nos ouvidos, de olhos fechados. E viu-o, mais uma vez. Viu, não quem ele era, mas quem ele podia ser. A maneira como arqueava as sobrancelhas e mexia os lábios, a maneira como respirava. Adriana viu o rapaz que conhecera aos vinte e dois, viu o rapaz que sonhara, viu o rapaz por quem se apaixonara. Voltou ao quarto e nunca ninguém soube da sua quase-partida.
Hoje, naquele dia, Adriana via o mesmo. Toda a imagem, aliás, fazia parte de um quadro, e se a sua versão adolescente tivesse viajado ao futuro e visse aquele quadro, ficaria contente com o que lhe prometiam. Mas que pena que as pessoas sejam mais complexas do que uns pequenos instantes aqui e ali. Que pena que não possamos filtrar e mandar fora tudo aquilo que não interessa. Que pena que aquela pessoa que calmamente ouvia palavras cantadas há cinquenta anos, ritmando suavemente com o pé direito, fosse a mesma pessoa que uma vez a tinha ido buscar ao quarto onde chorava descontroladamente, a agarrado com os dois braços pela cinta e a atirado para o sofá da sala, com um dedo em riste e berros e saliva e lágrimas e crianças confusas no quarto do lado. Que pena. Era impossível deixar-se levar mais. O fosso entre eles era demasiado grande e, não se conseguindo já tocar, por mais que esticassem os braços, podiam apenas ouvir-se. Mas o fosso abria, abria, abria tanto que, naqueles tempos, precisavam de gritar para o lado de lá do fosso para serem ouvidos. O fosso não parava de abrir, e os gritos deixariam de ser ouvidos e, mais tarde ou mais cedo, cada um teria de voltar as costas e procurar alguém que estivesse do mesmo lado daquele desfiladeiro. Talvez houvesse alguém. Havendo alguém podiam, quem sabe, antecipar o fosso e começar a construir largas e compridas pontes antes que ele aparecesse, pontes que lhes permitissem continuar a tocar-se por mais que o fosso quisesse abrir-se, pontes que permitissem a um enamorado viajar para o lado do outro e ficar aí para sempre, deixando o fosso levar consigo os seus velhos modos, hábitos e manias. Adriana receava, contudo, que o fosso para os lados de Justino dessem toda a volta, e o seu marido estivesse condenado à solidão.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Ventre - Capítulo XIV

Do Romance "Ventre", por editar, António Pedro Moreira

Capítulo XIV


Ademiro abriu os olhos. Lembrava-se dos seus colegas e dava por si a questionar se eles questionariam a sua ausência. “Deve estar morto aí numa valeta qualquer”, imaginava-os a dizer. Queria sentir falta deles. Mas não sentia nada. Mais que tudo sentia falta das ruas abertas, e de poder sentar-se num banco de jardim a olhar para as pessoas. Tinha saudades, não tanto de ser mirone nos aeroportos, mas da oportunidade de o ser.

Talvez nesse dia o deixassem sair. Estava farto daquelas paredes. Tinha-se habituado tanto ao Vento que as ventoinhas do hospital pareciam mentiras descaradas. “Será que podia abrir a janela?”, perguntava, recebendo sempre o mesmo não como resposta. Ademiro sentia-se no hospital como um tigre no Congo. Estava rodeado de seres que até eram parecidos como ele. Mas não eram como ele. Ele não era dali, não pertencia ali. O cheiro, as batas, os doentes, os berros, tudo lhe ia direito ao fundo do seu estômago, que se contraia dolorosamente. Queria ir embora. E o mais rápido possível. Mas agora tinham descoberto um cancro, e teria de voltar rotinamente para o tratamento. Como é que toleraria isso? Como é que toleraria que o hospital onde morrera fizesse parte da sua salvação?
Levantou-se, a custo, e esticou as costas. Sentiu-se momentaneamente oirado, esperou, e regressou a si. Saiu pelo corredor, entrou no elevador, desceu. Saiu cá fora, respirou um pouco de ar puro e desejou não estar com aquela bata e poder simplesmente sair, sempre em frente até não poder mais. E quando não pudesse mais deitar-se mesmo ali, fora da loja mais próxima e dormir. No dia seguinte, repetir tudo outra vez.
Voltou para dentro e sentou-se ao lado de um menino de sete anos e óculos muito grossos, que aguentava um urso de peluche roxo, não maior que um palmo. Tinha um olhar vazio e assustado, e deveria ser filho da senhora que, ao seu lado, sentada também nas cadeiras de plástico com a cabeça encostada à parede, parecia dormitar.
- Como é que se chama esse urso tão encantador? – perguntou. O menino olhou para si e Ademiro sentiu como se o puto tivesse crescido de repente, tornado-se num homem feito e lhe tivesse dado como indicador no meio dos olhos. Porque aquele menino olhava para si de uma forma diferente. Porque aquele menino olhava para si sem o destinguir dos outros. Quando toda a gente nos olha de forma diferente, esse diferente passa a ser o nosso normal, e esquecemo-nos o que o normal realmente representa. Aquelas expressões de desconfiança ou de meias-palavras passam a ser a norma. Aquele menino, contudo, olhava para ele como se ele fosse só mais um. Seria de não estar com as suas roupas mal andrajadas? Não, não era isso. Tinha acabado de vir de lá de fora e não sentira o impacto que sentira nos olhos daquele benjamim.
- Adriano – respondeu, triste, o menino.
- E o Adriano está aqui porquê?
- O pai dele foi para o céu – respondeu, mirando o chão, baixinho, talvez para não acordar a mãe.
- Ah, que pena... – respondeu Ademiro, subitamente encavacado sem saber como confortar um menino de sete anos, especialmente não podendo mentir uma única vez.
- Como te chamas?
- Adriano.
- Tens o mesmo nome do ursinho?
- Tenho – respondeu, levantando olhar e puxando as lentes para a sua retina com o dedo do meio.
- Sabes, Adriano... o meu pai também foi para o céu. Há muito tempo.
- Que é que lhe aconteceu? – perguntou. Ademiro encostou-se para trás, os óculos de Adriano apontados a si, estudando-lhe o estranho bigode e a cabeleira cinzenta.


Em 1975 Ademiro tinha quinze anos de idade. Acordou, no Sábado de 20 de Dezembro, e ficou na cama alguns minutos a olhar para a chuva lá fora, sem pensar no Natal que se aproximava, sem pensar na turbulência política que o país passava, sem pensar no ano novo que se avizinhava. Ademiro pensava ardentemente em F. Scott Fitzgerald e no Great Gatsby, que acabara de ler na noite anterior. O livro, que lia em inglês, tinha sido uma prenda secreta da sua professora de línguas, a calorosa Miss Brandão, com quem, Ademiro pensava, mantinha uma relação platónica. A meio da leitura, Ademiro decidiu ler só dez páginas por dia. Sentia cada página com tal beleza que não queria que aqueles momentos acabassem. Sim, poderia voltar a ler aquele livro, e fá-lo-ia certamente, talvez dezenas de vezes ao longo da VIDA, mas só ia ter aquela primeira vez. Só ia ter uma primeira vez e uma última vez, todas as restantes poder-se-iam trocar entre si que não lhe fariam diferença. A última apareceria disfarçada de vez ordinária, sendo que, Ademiro pensava, não poderia adivinhar a sua morte. Pelo que apenas aquela vez, aquela primeira vez, poderia ser apreciada como algo de especial. Mas chegou o dia 19 de Dezembro, e o livro acabou. Se as leituras secretas eram, há algum tempo, um prazer a que Ademiro se entregava sem reservas, começaria, naquela manhã chuvosa do dia 20 de Dezembro, uma busca pelo livro perfeito. Leria tudo o que encontrava. Leu todos os clássicos portugueses, entregou-se a autores ingleses na sua língua e achou que poderia fazer o mesmo com espanhol. Sem mais conhecimento nesta língua do que as similiridades com a sua própria ofereciam, Ademiro começou a ler XXX, com um dicionário ao lado que surripiara da biblioteca do seu liceu. Após a primeira vintena, que se revelara custosa, dominava já com algum talento a língua dos nuestros hermanos, tendo memorizado milhares de palavras que se apresentavam diferentes das suas homólogas portuguesas. Como aprendera espanhol lendo, apenas, seria com muita graça que Maria Espinosa, uma vendedora de jornais na rua, escutaria o seu sotaque, dez anos mais tarde, quando Ademiro decidiu levar a sua esposa a Salamanca para um fim-de-semana de Verão.
Até então Ademiro entregara-se à leitura por duas ou três razões, a dúvida em relação ao número prendendo-se com a dificuldade que se pode ter em dividir duas delas. Ademiro gostava de ler, simplesmente. E isso pode ser visto como uma razão. Mas, será que nós podemos gostar de algo, assim tão simplesmente, ou será que há sub-razões por detrás da razão mais aparente que, mais verdadeiramente, nos explicam o porquê nos nossos apeteceres? Como Ademiro era o único entre os seus pares que lia algo que não fossem os livros de escola ou as revistas eróticas do pai de Guilherme que o seu amigo alugava a XXX escudos ao dia, achou que teria de haver uma razão mais forte do que o simples gostar. Então Ademiro decidiu que apenas se pode gostar realmente e por si só de aspectos elementares da VIDA, nomeadamente os ligados aos sentidos. Podemos gostar de uma massagem, de uma melodia, de um sabor ou de um cheiro, porque nos entram directamente na alma crus. Quanto a uma visão, Ademiro assumia que podemos apenas gostar de algo que é abstractamente belo, permitindo a relatividade em relação ao adjectivo. Um quadro que representasse algo nitidamente, ou uma paisagem, ou uma mulher bonita, não poderiam ser apreciados com a mesma pureza, pois podiam-se descontruir sem muito esforço. Gostávamos da paisagem porque parecia ser um sítio sereno onde se viver, se fosse isso que procurávamos, de uma mulher bonita porque parecia saudável e daí talvez de bom porte para as nossas crianças, e por aí fora. Não se atrevendo a partilhar os seus pensamentos com os seus amigos, tinha de servir como seu próprio advogado do diabo.
- Então e quando gostamos de algo, mas não descobrimos nenhuma sub-razão para isso?”, perguntava-se.
- É porque não estamos dotados com a real inteligência de perceber a sub-razão – respondia-se.
- Mas... o mesmo não se pode dizer em relação às sensações elementares? Que simplesmente não estamos dotados de inteligência para perceber as sub-razões? – baralhava-se.
Assim, Ademiro tinha percebido que a razão pela qual gostava tanto de ler era porque isso, como a tanta gente, ainda que para muitos destes sem o seu conhecimento, permitia-lhe fugir dali. Quando lia, Ademiro não era aquele miúdo com aquele pai e aquela mãe naquela casa. Se gostava mais de uma escrita que doutra, não era porque era mais bonita, mas porque lhe oferecia uma descrição mais precisa, que lhe permitia uma maior absorção, um maior voo.


A mãe bateu à porta três vezes, um segundo entre cada. Ademiro olhou para a direita e viu a sua progenitora entrar-lhe no quarto com cuidado, um tabuleiro verde cansado com uma caneca a fumegar e um pão com fiambro e queijo.
- Que é que se passa? – perguntou Ademiro, semi-levantando-se assustado.
- Não se passa nada, filho, porquê? – perguntou a mãe. Trazia consigo um sorriso de quem o desaprendera. O cabelo estava amarrado num puxo atrás, exacerbando a oleosidade que a tinha vindo a caracterizar ao longo dos anos. Uma camisa de cetim azul enfiada na saia preta com riscas verticais cinza claras e uns chinelos castanhos nos pés. Todavia, o que mais se via era a pisadura debaixo do olho a espreitar por debaixo da base que sua mãe pedira emprestada a Geralda, sua meia-irmão, que seu pai trouxera de África.
- Que é isso? – perguntou, apontando o tabuleiro.
- Então, é o teu pequeno-almoço, que queres que seja? – respondeu, como se não fosse a primeira, mas a enésima vez que trazia o pequeno-almoço à cama do filho. Acostumado ao imprevisto nas ondas de sua mãe, especialmente desde que perdera a sua irmã Margarida num aborto espontâneo causado por uma escadaria que se meteu no caminho, Ademiro decidiu não dizer mais nada.
- Depois de comer vou ficar na cama até à hora do almoço, está bem, mãe? – perguntou.
- Ah, nem pensar! Hoje quero limpar a casa toda, quero deixar tudo num brinco, e tu vais ajudar-me percebes? – respondeu sua mãe, hirta, com um dedo no ar. Ademiro curvou-se para a esquerda e tirou da gaveta da mesinha-de-cabeceira um livro.
- Queria aproveitar que não tenho aulas para ler a bíblia, mãezinha – e o rosto da abriu-se, no melhor que podia fazer, as rugas perdendo-se na magreza das peles.
- Ah, que rico filho – respondeu. Pousou o tabuleiro no chão e sentou-se na cama, de frente para Ademiro. Passou-lhe a mão direita na cara, ao de leve, quase como se não lhe tocasse. – Tu gostas da mãe? – perguntou, para embaraço de Ademiro que, tal como seu pai, preferia mostrar os seus sentimentos em vez de falar deles, apesar de serem sentimentos geralmente inversos. Ademiro olhou para a colcha azul clarinho e passou-lhe as a mão como a sua mãe passava na cara.
- Gosto, mãe, claro que gosto... – respondeu baixinho.
- Olha para mim – Ademiro levantou o olhar e o da sua mãe sugou-o, puxou-o com força. O olhar da sua mãe era triste como o Inverno da VIDA. Naqueles olhos castanhos cabiam todos os livros tristes que já tinha lido e os que leria, deles as lágrimas que vinham choravam também, e deles vinha um pedido de qualquer coisa. – Eu amo-te muito. Que Deus esteja contigo e te protega – disse, levantando-se a custo e deixando-lhe um beijo na testa.
Quando saiu do quarto e deixou a porta bege separá-los, Ademiro esperou um pouco. Ouviu os degraus queixarem-se e levantou-se. Levantou o colchão e aguentou-o no ombro. Tacteou com a mão esquerda e encontrou o que procurava. Tirou Franny & Zooey, de J. D. Salinger, esperando conseguir acabar aquele fino livro até ao almoço. Deixou o colchão cair suavemente. Deu a volta à cama e, pelo caminho, espreitou pela janela, vendo sua mãe lá fora, à chuva, a varrer qualquer coisa. A tristeza da sua mãe andava pelas paredes da casa há muito tempo. Não começara com Margarida, mas quando esta ficou na carpete vermelha da escadaria, numa mancha mais escura que mal se via, e que assim ficou para sempre, a sua mãe desistiu. Ademiro não sabia quando começara a tristeza de sua mãe ou se começara de todo. Ademiro não sabia se alguma vez sua mãe tinha sido feliz. Não sabia se tinha nascido com a sombra atrás de si ou se tinha sido seu pai que a pousara sobre os seus ombros, com promessas de que estava frio lá fora e assim era melhor. Ademiro não sabia nada disto, e tinha medo de saber. A tristeza de sua mãe assustava-o. Só muitos anos mais tarde, vagueando as ruas do Porto, olhando para o que lhe parecia ser pai e filho a darem um abraço de despedida na Batalha, é que Ademiro se apercebeu que talvez as suas palavras pudessem ter atrasado, ou anulado, o que se revelou inevitável. “Seria mesmo inevitável?”, questionar-se-ia Ademiro, ao longo dos anos, procurando uma razão. “Se aconteceu é porque era inevitáel... porque o único cenário que aconteceu foi esse. Antes de acontecer não era inevitável. Mas ao acontecer assim se tornou...”, pensava, dando nós cegos à volta da corda que lhe apertava o pescoço.
- O pai não vem almoçar? – perguntou Ademiro, sentado à mesa, com a colher no ar.
- O teu pai está a trabalhar. Sabes, o teu pai trabalha muito – respondeu sua mãe, de costas. Virou-se com um tacho grande cinzento e, aproximando-se da mesa redonda com uma toalha de plástico branco, verteu duas colheradas de sopa de feijão branco para o filho. – Às tantas também não vem jantar. Porque está a trabalhar. O teu pai trabalha muito, sabes? – repetia – Mas se ele estiver a jantar tu levas-lhe o jantar ao trabalho, não levas, Ademiro? – perguntou, oferecendo com isso um secreto suspiro de alma ao seu filho, que cria saber algo que sua mãe não sabia.
A tarde foi-se arrastando preguiçosa, durando dois Invernos as duas horas que Ademiro passou com sua mãe de joelhos a rezar uma data de padres nossos e avés maria frente a uma estátua de palmo e meio de Jesus nos pregos. Ademiro andava há anos à espera de um sinal que teimava não vir. A sua mãe estava sozinha naquele enorme universo sem mundos nem luas e Ademiro queria encontrar-se com ela lá. Mas tudo o que conseguia era vê-la por detrás de um vidro muito grosso, criando a mera ilusão de que estavam lado a lado, quando no fundo aquele vidro encerrava em si toda uma existência entre cada uma daquelas almas. Já o seu pai nunca rezava e, podia dizer-se com algum conforto, não era o mais fiel seguidor das escrituras. No entanto, não havia Domingo em que não comparecesse na missa, pra gáudio do filho, que podia ver os pais ao mesmo tempo sem ninguém estar a esbracejar e sem sentir o peito a arder em ansiedade.
A chuva descansou duas horas e passou então Ademiro o resto da tarde a raspar o musgo que se acumulara no pequeno muro que dava para o canteiro de morangos que a mãe tinha como filhos adoptivos. Chegada a hora do jantar chovia novamente torrencialmente e Ademiro, que não se deixou demover da sua tarefa, confirmou que o seu pai não viria.
- Ademiro! Ademiro! – chamou sua mãe, não conseguindo sua voz suplantar o barulho da chuva. Tirou um guarda-chuva preto de um canteiro molhado e aproximou-se do rapaz. – Ademiro! Anda para dentro, já chega, está bom – disse, mais calmamente. Ademiro sacudiu-se à porta e entrou. Preparava-se para ir tomar banho quando a mãe lhe estendeu um tupperware dentro de um pano de limpar a louça. – Leva isto ao teu pai, que ele está a trabalhar. Diz que é para o amigo dele também, ouviste? É para os dois, não é só para ele. Se o amigo dele não quiser insiste. Depois anda de caminho para casa para jantarmos os dois, ouviste? Hoje jantamos os dois. Em família. Está bem, meu querido?
- Está bem, mãe – respondeu Ademiro, a chuva emprestada precipitando-se no chão de xadrez. Ademiro pegou no tupperware, meteu-o na cesta da bicicleta e partiu, pensando na mãe e no quão particularmente estranha ela estava naquele dia. Quando chegou encostou a bicicleta ao muro e tocou à campaínha. Adelina abriu quase um segundo depois, como se estivesse à espera do rapaz com o seu manjar. Tinha uma camisa de dormir até aos pés bege e Ademiro esforçava-se por não olhar para os bicos das mamas que o cumprimentavam tentadoramente.
- Entra, Ademiro, entra, que estás todo molhado! Que é que trazes aí?
- Bacalhau à Braz, foi a minha mãe que mandou – respondeu, procurando, com o olhar, o seu pai. Entrou para o pequeno corredor, virou à esquerda e, entrando na sala, viu seu pai estendido no sofá, com a televisão ligada e uma garrafa de vinho de mesa tombada no chão. Dormia profundamente.
- Pai. Pai... – chamou, a medo, apenas duas vezes. Não queria que o seu pai acordasse, podia estar bêbedo e nunca se sabia o que isso implicava. Mas queria, mais logo, poder dizer que o tinha chamado e ele é que não tinha acordado. Adelina aproximou-se com dois pratos.
- Ele agora não acorda tão cedo.
- Eu tenho de ir embora, Dona Adelina. A minha mãe mandou isso para... a minha mãe disse que o bacalhau dá para duas pessoas à vontade.
- Obrigado. Eu vou comer já, que estou cheia de fome, e o teu pai come quando acordar – respondeu, passando-lhe as mãos nos cabelos castanhos. – Não queres comer comigo?
- Não, obrigado... dói-me a barriga. Acho que foi dos morangos...
- Está bem, vai lá então...
Quando Ademiro chegou a casa sua mãe esperava-o sentada na mesa, estática, frente ao seu prato de onde Ademiro via vapor a dançar. As luzes estavam todas apagadas e duas velas iluminavam a sala triste.
- Não há luz, mãe?
- Há, filho. Mas hoje quero que jantemos assim. Anda, senta-te – ordenou. Ademiro apontou para as suas roupas. – Depois lavas-te. Come agora comigo, anda.
- Mas mãe... estou todo molhado. E doi-me a barriga. Não sei que tenho.
- Comeste os morangos?
- Comi. – respondeu, baixinho, olhando sua mãe a medo. Sua mãe, tal como seu pai, assustava-o. Mas, se seu pai o assustava porque Ademiro tinha medo daquilo que o pai podia provocar nele, fosse isso uma surra ou um raspanete, sua mãe assustava-o porque Ademiro tinha medo daquilo que ele próprio podia provocar na mãe. Viver sem esse medo implicaria deixar-se levar pela espontaneidade, o que, muitas vezes, resultava em amargos soluços da sua mãe, que via nos mais variados comportamentos do seu filho uma prova da sua insignificância.
- Eu não te disse? Ó filho... tu nunca me ouves, tu nunca me ouves... eu disse-te que ainda não estava na altura. E p’ra mais, estão cheios de sulfato. Tu nunca me ouves, tu nunca me ouves... – dizia, baixinho. Ademiro olhou para o chão. – E agora? Agora fico sozinha, não é? Sempre sozinha, sempre sozinha, sempre sozinha...
- Não, mãezinha, eu sento-me aqui consigo – disse Ademiro, deslizando para a cadeira de veludo verde que jingou com o seu peso.
- Não, vai tomar banho. A seguir podes ir para a cama, se quiseres. Vai.
- Mas, mãe
- Vai, ouviste?! - ordenou.
Ademiro olhou para a mãe com força. Não descobria nada. Procurava, mas não descobria nada. Sentia-se como um fraco caçador numa rica reserva, consciente de toda a caça à sua volta mas incapaz de deitar o olho a nada. Deu um passo para trás lentamente, deu meia volta e subiu as escadas.
No chuveito pensava nos peitos de Adelina e sentia-se duro como um penedo. Das primeiras vezes Ademiro obrigava-se a pensar noutra coisa qualquer e se não conseguia resistir à libertação, sentia-se imensamento culpado, como se tivesse traído a mãe e o pai de uma só vez. Mas essas tinham sido as primeiras vezes, que já lá iam. Nestas alturas Ademiro não tinha travão. Libertou-se então do que tinha a mais, puxou de uma toalha azul gasto e limpou-se. Enrolou-a à cinta e entrou logo no quarto, à esquerda, que fazia esquina com o quarto-de-banho. Ainda era cedo, podia acabar a última dezenas de páginas do Franny & Zooey e atirar-se ao Catcher In The Rye, do mesmo autor. Tirou o pijama beje de trás da almofada, pendurou-o no radiador dois minutos e vestiu-o. Tirou o livro de debaixo do colchão e enfiou-se naquele idílio que lhe permitiria umas boas duas ou três horas com palavras escritas por um amigo seu. Todos os escritores eram seus amigos.
Às onze da noite teve de parar. O silêncio começava a entrar-lhe pelos ouvidos e não o conseguia ignorar. Fechou o livro, saiu da cama, abriu a porta. "Mãe! Mãe!", chamou, do topo das escadas. Desceu, passo ante passo, a medo, como se não quisesse que o descobrissem. As escadas estalavam uma de cada vez com cuidado, como se elas próprias não quisessem chamar de descuidado ao seu presente ocupante. "Mãe!", voltou a chamar. Nada. O seu coração acelerou, gotas de suor materializaram-se na sua testa. Entrou no hall, entrou na cozinha. As velas tremiam com vontade de morrer e a sua mão não tremia por ter já morrido. A cadeira estava deitada no chão e a sua mãe com ela, como se tivessem tombado em conjunto e o corpo da mãe tivesse rebolado um pouco para o lado de Ademiro. Tinha o braço esquerdo apontado para a frente e estava de barriga para baixo. "Mãe?" Quando se aproximou reparou que o prato de comida, partido, via tudo do outro lado do corpo. Virou a mãe e viu-a de olhos abertos, uma poça de vómito debaixo das mamas e espuma na boca. Não percebeu de imediato. "Mãe? Mãe!!" Abanou-a com os dois braços nos ombros, nada. Começou a respirar como se tivesse passado a VIDA toda debaixo de água até àquele momento e levantou-se, sempre a chamar pela mãe, ora em tom de pergunta, em tom de súplica, em tom de prece. "Mãe? Mãe! Mãe...". Mas ela não ia acordar mais. O seu olhar tomou controlo e pousou-se sobre o tacho de bacalhau à braz que o esperara essa noite para o jantar. Aproximou-se, cheirou a comida, mas não lhe cheirava a nada. Bacalhau à braz, simplesmente. Mas seria possível? Ademiro começou a ver desfilar perante os seus olhos os cenários, e todos pareciam dar no mesmo. Virou-se, correu para a porta, abriu-a com violência e deitou-se a correr, o espetáculo fúnebre que reinava na sua casa ali à vista de quem quisesse entrar. Correu, correu, correu, amaldiçoando-se por não ter querido encher o pneu que se queixava quando regressara a casa para o jantar. Algumas gotas batiam-lhe na testa e já não se sabia o que era chuva ou transpiração. O coração de Ademiro trabalhava zangado, desabituado a tanto. Teve de parar quatro segundos, perto do café do Zeca, e respirou fundo com as mãos aguentadas nos joelhos. E voltou a correr. Correu, correu, correu. E depois bateu à porta com força com o punho da mão direita. Duas, três, cinco, dez vezes. Ninguém abria. Desceu dois metros na rua e abriu a janela, Esgueirou-se. "Pai? Dona Adelina?"
Deu com Adelina deitada no quarto-de-banho, a mão direita ainda agarrada à beira da sanita. Vómito, espuma e morte. Estacou a olhar para a mulher e já não chorava. Respirava lentamente mas com potência dentro de si. Preparou-se. Na sala não encontrou o pai. A garrafa ainda lá estava. Subia as escadas quando encontrou o corpo do pai, deitado de lado encostado à parede, como se descansasse, quase. Tinha a camisa suja, mas não tinha o vómito ou a espuma. Mas tinha a morte. Morrera do mesmo, mas as coisas tinham-se passado de maneira diferente. Estava morto. Dona Idalina estava morta. Sua mãe estava morta. Sentou-se, apático, e passou-lhe pela cabeça todo o tempo que teria para ler daí em diante. E depois chorou, culpando-se por tal ideia lhe ter atravessado o espírito.
Ademiro morrera duas vezes na sua VIDA. Essa foi a primeira vez.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Prison Night

                To start with, this is not a “I’m such a victim post”. I think I was a victim in some respects, but I also was to blame. So, let’s say, I did something wrong, and ended up paying for it – more than I think it’s fair. Also, Laos is a great country and this is not to put it down, just to share my story, most of all to warn people and ask them to, well, be careful. Finally, perhaps you’ve hear stories like this, but I still think we should report it, even if in such an unofficial way as this.
                So the other day I went tubing in Vang Vieng. Went alone, but immediately found random groups of nice people that would instantly become friends. The whole experience was great, even in the end when we, not knowing how to get “home”, went down the river till the last stop. The guy that was with us knew where it was – so never do this unless you’re with someone that knows where you’re going. Otherwise they might find your body in some other town a couple of days later.
                Needless to say, few were sober, but everything was ok, nobody was “all over the place drunk”.
                When we arrived back in Vang Vieng, some went for dinner, others went to the bar. I was one of the latter, and that was, I believe, a tragic mistake, not being pleasant to myself enough to put some food in me. In the bar, carried on drinking. From this time on, everything is a big blurry movie of images that pop up every now and then. I know I kept on changing friends, talking, drinking. The first thing I remember is bumping into something. Then I remember have my hands cuffed, caught by someone in plain clothes that put me into a random car. I didn’t know they were the police, so I thought I was being kidnapped. It wasn’t a good feeling. Especially when I see myself in a four by ten meters cell with twenty one other locals. I was sitting at a corner, trying to think about what the fuck was going on, and I realized I was going to die. I didn’t want to talk to anybody – I kept thinking of those movies and how the kidnappers never want the guys to talk to each other, so as not to plot. I was the only foreigner there, maybe I was going to be the first to die. I heard some girl shouting in the next cell and I thought she was another foreigner that had been kidnapped. I wanted to save her. I wanted to break free and help her.
                I waited till everybody fell asleep, I cried a little bit, said goodbye to everyone in my head and decided to do something, I didn’t want to go down without a fight. So I kicked a guy, people woke up and I just screamed “let’s rebel, let’s rebel” over and over again. But nobody did anything. I couldn’t get it, how could they have such apathy facing their fates?
                I was lucky not to be beaten up, actually. They could see I was scared, I said I was sorry, ask them not to turn me in, and sat quietly. “They’ve accepted it”, I thought. It’s stupid that I never thought that was prison. Maybe this helps – it was one cell for twenty-two people. There was a door with one small hole in it, two windows fully covered. Everybody was sleeping on the floor, and some of us were also soaked in piss, since the toilet was not working very well. There were no fans, no mirrors, no nothing. Just space, a bunch of people and a broken toilet.
A guy started talking to me. I didn’t want to talk to him but he talked to me. And I thought he was working for them. I thought he could be like those guys that have been there for so long that they become one of the members with the kidnappers – the bridge. I didn’t trust him. Until he started making some sense by saying that was jail. And they weren’t going to kill me. Till this time I had no idea what was going on. Somebody had picked me up from the street, cuffed me and kicked me inside a dirty smelly cell. I could sleep now.
                When I woke up I kept to myself for a while, till Ola came and talk to me. “I will be your friend”, he said. He explained me what was going on, and told me I would probably be out by the end of the day. He was a nice guy and I could see he didn’t belong there. I mean, in a way no one belongs in that dirty awful place, but I could see it was being harder for him than for some other of the guys. And maybe that’s why, even if he said he would be my friend, that’s pretty much the only conversation I had with him. Soon after this, someone from the outside called for the falang. I put on my t-shirt, got outside and was met by the guard. He said I “broke everything” and that “everybody saw it”. I knew that I hadn’t broken anything. In twenty seven years I never had an angry burst from alcohol. But my head ached so maybe I fell on something, like a table, and broke it, I knew this much. But is that “everything”? And is it worth three hundred euros, which is what he was asking? He sent me back inside when I insisted I hadn’t broken anything. Another one of them told me I’d stay in for a month – not cool.
                I was sure of nothing, but I thought maybe I’d go out the next day. Maybe the one after that, who knows. I tried to loosen up, but it was difficult. People started approaching me, especially two very nice guys, La and Kamlao, the ones that spoke the best English. And the other one, whose name I forgot, who told me I had a good heart. I tried to sleep, to make time pass faster, but there was no more sleep in me. People were quite friendly inside, passing around cigarettes, giving me some water without me asking, passing me some rice. The rice… I’m all for trying new food, and Lao has been my favorite country in terms of food. But what they have in prison… Well it keeps you alive, that’s it. You have a ball of sticky rice in your hand which you dip in some sauce. It was quite interesting for me to see how people gathered around the food in groups of five or six and passed around different “extras” like one egg or something. I soon learned the procedure and passed around a bit of fish someone was kind enough to give me. And, I was told, that’s not the state food, but rather food that the families send and they all share together.
                That day was a special day. Maybe because the toilet was broken, the wooden door was open, so there was only a metal bar door between us and the world. The guys sat around it and I stayed in my corner, trying to see the funny thing about it all, but I couldn’t. Kamla talked to me every now and then, and I see in him a friend, today. His father had put him in jail for a month because he was doing too many drugs.
                - The first two days I was so angry!... I even kicked the door and made a hole in it… But now I’m ok, and I’m not angry with my father. I thank him, you know?
                - Are you gonna keep doing drugs?
                - Just weed and alcohol. No more amphetamines, opium, chemicals – he replied. I had worked with drug-addicts in the past, and actually lived in the same house as them for half a year. Now I was among them as an equal. Something had gone terribly wrong the previous night.
                On the next cells there were girls, all of them prostitutes, and the guys would entertain themselves by saying those things to them, or picking through the hole in the wall that probably took months or years to dig.
                - They are saying they want to have a drink with you – they told me.
                Tried to sleep, nothing.
                Time. Time stretched like never before.
                Eventually it’s shower time. We all gather around a big tube outside and take turns to use the cup and try with it to wash away our sins. I noticed how a group of four was taking the opportunity to fill the bottles of water. No Evian in jail, my friend…
                Got back in, sat. Sat. Sat.
                We weren’t allowed to have cigarettes inside, but as long as the cops didn’t know, the guard would let them in. Oh, and of course, as long as we, and by we I mean they, paid some fee. Well cigarettes and other stuff, like a bottle of water, some whiskey or… that’s it, nothing else comes to mind.
                Sometime after the door was shut, I was called outside again. Again the guy wanted my money. When I repeated I hadn’t broken anything and for sure not worth so much, he sent me back in again, this time not without kicking me as I turned. I got in, for the second time in some hours, and sat.
                - I’m not good, man – I said. And I wasn’t. I was bad. Quite bad. I took a couple of deep breathes and decided that I’d give in the day after the next. And that’s what I had in mind for the next eight hours, till I thought of my family, who had no idea what was going on. I hadn’t spoken to them in some days. So I decided to give in the next day.
                - Don’t think so much – they’d tell me, looking at my still look.
                - The first day is the worst, right? – I asked Kamla, who serenely agreed.
                - Don’t worry, don’t think so much falang…
                So I didn’t. I surrendered to the facts. I was there, fuck. In that particular instant there was nothing I could do. And I repeated to myself “this too shall pass”. As it did.
                The music sessions started soon after. They gather around near me, the drummer got his drum kit ready – a spatula and a toothbrush as his sticks, and a dirty pillow and a bottle of water as the drums – and began playing. He was quite good, and so were the other ones who sang to his rhythm. Komla had told me they play and sing a lot, but that day not so much because the door had been open for a while. They asked me to sing. Fuck it, I’ll sing. So I sang a traditional Portuguese song which they tried to follow. The last time someone asked me to sing in such a setting (excluding the whole jail thing) it was in Iraq, and I sang the same song. I tried to spell everything carefully and beautifully so they were appreciative of my language. Why not, right?
                 Every now and then that guy would come to me. At a point I thought he was the third best in speaking English, but as the day went by more people would talk to me and I realized actually there were more people speaking English than I had thought. But this guy, the “Used To Be” Third, was an interesting character. Sometimes I didn’t understand what he said, and after asking him to repeat two times, I’d politely nod. Other times he got so close to my ear that I thought he was about to ask me something weird. But it didn’t happen. Like most of the rest I asked, his reasons for incarceration were not the clearest. He told me he was broken hearted, and his girl’s parents didn’t like him. He was very sad, and so was she. He became emotional while telling me this, and I felt so sorry for him, this guy I had met in jail a few hours back. He had been in for seven months, and still had about three to go. Long time, if you ask me. Oh and as for the reason for being there, all he said was that his girlfriend’s parents didn’t like him. I didn’t want to push it.
                When I saw people moving in an organized manner, I realized it was time to eat again. The same procedure. This is when I was handed a small piece of fish. I took a bite, passed it around, and noticed the receiver’s surprise. And then it was over. Having nothing to do, I wanted to eat slowly, to make it last and this way have a difference in routine for a longer period of time. But it wasn’t possible. It’s not like everybody else was taking handfuls to their mouths and devouring everything in a second. But they weren’t exactly slow either.
                For the whole day I had been basing my assumptions of time by a crack in the ceiling that allowed a small light in. I was wrong, that was artificial light. I realized this when I took a look at what I think to be about seven, and it was dark outside already, but that light… well it was still there.
                After dinner we had three new members. I learned they were the big bosses in jail, and that we should do everything they said. Not good, I thought. During the day they did some jobs outside and spent the night inside.
                - He’s saying last night when you started shouting he wanted to kill you – Komla translated. I nervously smiled and apologized. This same guy was leaving the next day, so we were all about to witness a party like never before, in Komla’s words. The music came back, and so did the whiskey. They told me to try, I thought I was already in enough trouble and said no. They said it would be ok, so I tried some. I never tried gasoline, but I’m sure this is the same. But colorless. Komla said he was already a bit drunk, and so it seemed, since he couldn’t stop dancing, and occasionally inviting me. I’d get up, dance a little bit, and go back down again. It was noisy. It was quite cool as well. There’s something about sitting around with almost two dozens of half-naked men from half the way around the world in a dirty hot jail cell at the song of toothbrush drums that makes it a very interesting experience. I know Komla wanted the girls to see the falang, because sometimes just before he asked me to dance he had been talking to them through the hole. Whatever.
                One of the big guys asked me to sing two or three times. I wasn’t really keen on it, but I sang Bob Marley, to his request. I think they were expecting someone who knew more lyrics than those of the chorus.
                When things started to quiet down, I lied down. All day I had been waiting for nighttime in the hope that it’d be cooler. But it was actually hotter. How was that possible? Could the addition of three men be of such importance to this?
                As I was lying there, waiting for sleep while some still sang and most of the others chatted, Komla said I should give one of the big guys something as a sign of respect. Bummer. I didn’t have anything I was willing to give so I didn’t give anything. He’d had a go at my ring before, but I said a friend had given it to me and had it back. Then Komla said every new guy should show his dick.
                - I’m just translating… People are curious about falang’s dick, ‘cos they say it’s big – and as he said this, the big guy who wanted my ring, who was lying on my right side, started playing with my nipple. It seemed to be all in good spirits, but some adrenalin started to kick in.
                - Sorry man, but I’m not gonna show my dick – I said, as I gently swept the other guy’s hand away. I have no problem with nudity, and most of my friends have seen my Portuguese dick at some point, either at the river, sea, toilet, shower, whatever. But when it is a request that you show it, that’s when you think “Hum na, I ain’t gonna show anything today…”.
                I think Komla noticed my uneasiness, because he told me not to worry, not to worry. So I didn’t, and I lied down.
                I was almost asleep when they told me I had to move. So I went to another spot across the room, and tried to sleep. And I was managing, until I felt a hand in my penis. I pushed it away, and this time I wasn’t exactly nice, polite or gentle.
                - Don’t do that! – I said, affirmatively, to Komla. What the fuck? He apologized three times, made sure I wasn’t angry, and said “it’s just because everybody is talking about your dick”. Fuck, is that supposed to make me feel better?
                I slept. And no one else shared, at least to my awareness, their interest in my guns.

                The next day, one of the first things I remember is being called outside. “We’re we go again”, I thought. But this time was different. They told me to get in the van. I tried to go back and change back to my own shorts, and give La his, but the police couldn’t wait.
                They drove me to my hostel, searched my room. They told me to shower just before they took (the equivalent of) sixty euro from my wallet. I wasn’t sure what the next step was. They told me to get dressed, something not used, because of the smell. When he said this I thought I was going back in. But I didn’t. We drove to the police station, I drank three or four glasses of water, and waited. After a while the guy told me to get in. Always the same guy. He told me I got in some house to sleep, and broke everything, and everybody saw me, and I was shouting. I was powerless. I could see myself falling asleep somewhere. It almost never happened, but it could happen. But I know I would never go on a breaking spree and start shouting for no reason. He told me I had to pay five hundred euro. Not cool.
                I went to withdraw some money, and when I came back, a lady was there. Supposedly, it was the lady whose house I had visited. She was all dressed up, and we sat together, the three of us, in the interrogation room. She was speaking in Lao, and he was translating. The first thing she asked was how I opened the door. I said I didn’t know, because I didn’t remember any door. What door? What’s this? Was any of that real? It was about to get worse.
                - She wants you to pay ten thousand dollars. Because she said you tried to have sex with her son – what the fuck?! Here I panicked, I have to say. I was caught totally off guard, and that bitch wanted to suck everything she could from me. I said there is no way I did any of that, and that I didn’t have that money, he had to talk to her, because I would never do something like that. He talked to her, and then she claimed it was her daughter. Again I was quite firm here, and then he took her outside.
                - She can say what she wants, no one knows – he said, once he sat down. Even this dirty policeman was kind of siding with me in this tiny space in time. So it’s like that. Then he said she wanted three hundred euro. Well I had just been to the ATM and I had two hundred on me, but I couldn’t withdraw more because of my heavenly card limit. She called her husband and she settled for that. When I asked what the money was for, he said it was to pay for the glass I had broken and clean the rest of the house. Just as a side note – I was wearing flip-flops, a t-shirt and a pair of shorts, could I really break a glass (especially one worth three hundred euro – must be an enormous one) without hurting myself? As for the two million that I had to give to the police, “it’s for Lao law, you were making too much noise”. What can a brother do?
                The lady left, after I apologized for, well, whatever it is I did.
                Since I couldn’t pay the rest for the “Lao law”, I had to go the next day.
                - You have to pay two hundred euro more – he said.
                - But I already gave you sixty! So I have to pay only one hundred and forty – I replied, remembering how avid he was to take those sixty from my wallet back in my room.
                - But you have to pay two hundred more – he repeated. Fortunately, I was able to bring it down to the number he mentioned before. He drove me to my place, took my camera and my ID and driver’s license as deposit and left again.

                The next day I called him, went to the police station. He was in Vientiane, and he had my ID card and driver’s license with him. I paid the rest, they gave me my camera, I asked for a receipt, they told me they couldn’t give it to me because the guy who was in Vientiane had the keys to some drawer. Fuck it, I was happy just to leave.
                And then I had to get to Vientiane and arrange a meeting with the last person I wanted to see on earth, so he could give me my documents. Luckily he just swung by on his truck, handed me the stuff and it was definitely over.

                So from this I got an expense of four hundred euro plus withdraw taxes (about seventy euro), and thirty hours in jail. As I said before, I asked for it, in a way. There is something I did wrong, but I am sure the wrong I did is not bad enough for all of this. It crossed my mind the fact that I could have been drugged. Could be, but I don’t think so. I think I was an opportunity for dirty cops and a greedy woman to make some money. I was even accused for some minutes of trying to rape somebody. I thought I was going to die for some time. All unpleasant feelings. It’s going to take me a while to be able to laugh about this, hopefully not in a long time.
                So with all this, is traveling dangerous? Is Laos dangerous? No, not at all. But you have to watch yourself. Don’t protect yourself from all the bad things that can happen, otherwise your LIFE will be boring my friend, very boring. But watch yourself, and be wary of the police. Some Men don’t know how to use the power some government gives them in humane ways. That’s LIFE. Faulty beings.